Agora reconheço, o que me dói é não ter feito de você um pai. Não fui lhe encontrar nem reclamei atenção, pois não gosto que saibam (que você saiba) que sou frágil como um sonho.
Naquele dia, no hospital, senti tanto pavor. Mas eu era a sua heroína. Fui até o fim. Salvaria a sua vida para que tivéssemos uma vida depois.
Alguma coisa entupiu alguma outra coisa. Tudo no seu coração de ex-atleta, jogador de basquete do time da Eletropaulo.
Você sobreviveu.
Quando passou o perigo, usei minha voz mais firme para falar contigo. Eu talvez quisesse dar broncas de pai.
Achava mesmo que havia algo de condescendente na educação que você recebeu.
Eu seria a filha que lhe ensinaria a ser pai. Você não chegou a entender que uma filha mudava tudo. Que não era possível recusar esse título. Não lhe dei qualquer lição.
Mas esperava que ali, na frieza da maca, atássemos nosso laço esgarçado. Porque eu era a filha que estava presente. Naquele momento, eu era a filha única.
Mais uma vez, nos soltamos.
Mas sigo mantendo seu nome. Um pai é sempre um nome. Você amarra alguma coisa em mim.
Agora estou fazendo o que sempre fiz. Pensar que preciso saber de você e que devo ligar a qualquer hora dessas.
Ligar antes. Uma lição que aprendi por você.
Você nunca gostou que eu aparecesse de surpresa. Engraçado que nasci sem você planejar. Você, que planeja tudo. Que encaixota segredos em pequenas urnas de madeira. São muitas pelo seu quarto. Seria engraçado se estivessem todas vazias.
Quando penso em você, lembro mais do seu choro. Seus olhos quase transparentes de tão claros e úmidos. Você não se importava que eu visse. Eu tentava entender por que você chorava invariavelmente ao me ver, mas nunca chorava a minha ausência. Talvez fosse igual, duas partes da mesma história.
Herdei de você o pranto fácil. Não herdei os olhos, azuis, verdes, cinzas.
Penso em você como num retrato. A gente num banco, com árvores ao redor – como aquelas do parque, do nosso tempo, sempre curto.
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