Para quê serve uma análise?, questiona a analista. Não. A pergunta é minha — quando não sou analista. Quando eu mesma me pego repetindo gestos gastos e penso: preciso dar um jeito.
Se bem me lembro, era fim de abril deste ano mesmo. Eu limpava a casa, tirava o pó dos meus poucos livros, numa quarentena que me permitia estar sempre sozinha sem achar que havia algo de muito estranho nisso.
Passei pelo meu favorito, “Grande Sertão: Veredas”. E como sempre me acontece, pensei que precisava terminá-lo. Toda vez eu paro antes do final. É como se eu não precisasse saber o que acontece na última página para decretar que é o livro mais bonito que já li.
É como um lugar, talvez o sertão do meu avô, que eu não conheço todo, mas conheço o bastante para encontrar pedaços de mim ali. E dizer, com autoridade: sou daqui.
Como uma ideia leva à outra, me dei conta de que o problema é bem maior. Eu não tenho dificuldade em terminar meu livro de cabeceira. Eu tenho dificuldade em terminar. Em passar pela sequência de páginas e acontecimentos — alguns felizes, outros menos — até assistir à conclusão, da qual não se pode escapar.
É claro que quem não gosta de terminar mal começa.
Dizia isso a ela, essas elucubrações, esperando que nada ali se mexesse tão rápido. Certeira e delicada, ela me disse algo como: — é você quem faz isso com o livro. Não entendi de primeira. Depois sim.
Até que o meu olhar opere, são só palavras soltas num amontoado de papel. É a minha libido que anima o livro, é o meu desejo que torna o outro desejável. Sou eu, desalienada.
Agora as coisas podiam voltar a ser maravilhosas. Eu podia decidir a medida do êxtase. Uma que permitisse, de preferência, chegar ao fim.
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